Locação de Imóveis Urbanos

Diversas práticas corriqueiras na locação de imóveis são ilegais, sujeitando o locador a severas penas civis e criminais.

Leopoldo Luz

Certa vez, uma senhora me procurou para analisar a minuta de um contrato de locação preparada por seu corretor.

Aposentada e sozinha, ela contava com o aluguel do quarto-e-sala para sua subsistência, mas me deixou bem clara minha missão: “não quero aborrecimentos”. Prometi-lhe um relatório para o dia seguinte.

Tão logo iniciei a leitura, imagens da boa velhinha humilhada no banco dos réus começaram a me atormentar, tamanhas eram as irregularidades do instrumento contratual.

A Lei n.º 8.245/91 impõe severas penas, inclusive privativas de liberdade, para locadores que se excederem nos contratos de locação de imóveis urbanos.

Práticas corriqueiras, como o locador exigir quantia ou valor além do aluguel e encargos permitidos pela lei, exigir mais de uma modalidade de garantia, cobrar antecipadamente o aluguel (salvo em locação sem garantia ou de temporada), constituem contravenções penais, puníveis com prisão de 5 dias até 6 meses ou multa de 3 a 12 vezes o valor do aluguel atualizado, em favor do locatário.

E não é só isso. São crimes, puníveis com detenção de 3 meses a 1 ano, substituível por prestação de serviços comunitários: o locador se recusar a dar recibo discriminado do aluguel e dos encargos, o locador executar despejo sem observância do disposto na lei ou, ainda, o locador que retoma o imóvel declarando motivo da lei (uso próprio ou de familiares, reforma ordenada pelo Poder Público, demolição etc.) não realizar os atos que motivaram a retomada. Condenado o locador, poderá o locatário, em ação indenizatória, reclamar multa equivalente a 12 a 24 vezes o último aluguel atualizado.

As despesas de intermediação da locação, inclusive as necessárias à aferição de idoneidade do pretendente a locatário e de seu fiador correm por conta do locador.

Cobrá-las do inquilino ou cobrar o primeiro aluguel antecipado para fazer frente às despesas com o corretor, portanto, configuram contravenção penal.

São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que visem a elidir os objetivos da lei ou que impeçam o locatário de renovar ou prolongar a locação nos termos da lei ou que imponham obrigações pecuniárias para isso. Exemplo de nulidade é a exigência de o locatário realizar a pintura completa do imóvel ao devolvê-lo.

Para garantir as obrigações do locatário, o locador poderá exigir caução em valor não superior a 3 meses de aluguel, fiança, seguro-fiança ou cessão fiduciária de cotas de fundo de investimento. Além disso, nada, e nunca mais de uma modalidade de garantia.

Em condomínios, despesas extraordinárias correm por conta do locador, sendo vedado pela lei seu repasse ao locatário. São extraordinárias todas as despesas que não as de simples administração do condomínio e as despesas com empregados, consumo de água e esgoto, limpeza, conservação e pintura das áreas comuns, manutenção e conservação de rotina dos equipamentos de uso comum.

São expressamente extraordinárias as despesas com obras estruturais, pinturas de fachadas e áreas externas, obras de reposição da habitabilidade do edifício, instalação de equipamentos de segurança, combate a incêndio, telefonia, intercomunicação, esporte ou lazer, despesas de decoração e paisagismo e constituição de fundo de reserva.

A administração do condomínio deve discriminar nos boletos de cobrança as despesas ordinárias e extraordinárias.

Por tudo isso, caro leitor, façamos como a cautelosa velhinha: não queiramos aborrecimentos.

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Para saber mais:

Lei n.º 8.245/1991 – Locação de Imóveis Urbanos.

Lei n.º 4.591/1964 – Condomínios em Edificações e Incorporações Imobiliárias.

Lei n.º 10.406/2002 – Código Civil, artigos 1.331 a 1.358.

Adoção

Pai é quem cria

Leopoldo Luz

Cerca de 32 mil crianças e adolescentes ainda aguardam, em abrigos, uma família substituta.

Papai, você sabia que a vovó foi adotada? Com essa pergunta direta, Pedrinho, intelectual aos sete anos, iniciou uma longa conversa, que, para resumir, terminou com outra pergunta não menos contundente: Papai, porque tem tanta gente pobre no mundo?

A adoção, além de ser, talvez, a maior demonstração de amor desinteressado que alguém pode dar, é uma ação social apta a trazer um futuro digno para crianças e adolescentes pouco afortunados no seu início de vida.

Ocorrem-me de pronto dois casos – você, certamente, lembrará de outros. O fundador da Apple e da Pixar e inventor do Ipod, Steve Jobs, foi adotado ainda criança. Sua mãe biológica, uma universitária solteira, cedeu o menino Steve, sob a exigência de a família substituta lhe prometer que ele, um dia, iria para a universidade. Mais perto de nós está Osmar Afrísio, órfão mineiro que chegando a São Paulo na década de 70 foi acolhido por Manoel e Abílio, sócios do Rei das Batidas, repouso etílico dos estudantes da USP. Desde então, Osmar Afrísio cursou pedagogia, publicou três livros de contos e, em 2023, recebeu o Título de Cidadão de São Paulo.

São aptos a serem adotados os menores de 18 anos órfãos, abandonados ou que, por qualquer motivo, foram retirados de sua família originária e seus pais tiverem sido destituídos do poder familiar.

O interessado em adotar uma criança ou adolescente deve ter mais de 18 anos e deve ser capaz de demonstrar – não importando seu estado civil, nacionalidade, sexo ou orientação sexual – que proverá um lar adequado para o adotado desenvolver uma vida digna. A diferença de idade entre adotante e adotando deve ser de, no mínimo, 16 anos.

Casais, hetero- ou homo-afetivos, não importa, podem adotar em conjunto, ainda que se separarem, desde que após o início do estágio de convivência com o menor.

O processo brasileiro de adoção se tornou muito simples, desde a publicação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

O interessado deve procurar a Vara da Infância e Juventude de sua comarca, levando documentos pessoais e comprovante de endereço. Se a adoção for de criança desconhecida do interessado, não será necessária a contratação de advogado.

Após algumas palestras ou entrevistas, será solicitado ao interessado o preenchimento de formulário em que ele descreverá o perfil da criança desejada.

A equipe de apoio do juiz realizará um estudo psico-sócio-pedagógico do interessado e o Ministério Público dará seu parecer. Vencida essa etapa inicial, o juiz deferirá a inscrição do interessado.

A seguir, serão apresentados menores e seus históricos aos inscritos, pela ordem, para que se decidam se querem conhecê-los. Se o menor eleito tiver mais de um ano de idade, haverá um estágio de convivência, supervisionado pelo juizado.

Finalmente, o adotante peticionará ao juiz a guarda provisória e a adoção do menor. Concedida a guarda, o menor já poderá ser levado pelo adotante. Concedida a adoção, será feito um novo registro de nascimento da criança ou adolescente que passará, para todos os efeitos da lei, a ser filho do adotante.

Em 2005, o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada estudou o perfil das crianças e adolescentes abrigados e concluiu que 44% desses menores sequer tinham um processo na justiça, em flagrante desrespeito ao ECA, que determina a comunicação ao judiciário no prazo de dois dias úteis. Um em cada cinco menores abrigados aguardava uma família substituta havia mais de seis anos e apenas um em cada dez menores abrigados estava apto à adoção imediata. A falta de informação generalizada nos arquivos públicos era um dos principais entraves burocráticos à adoção, pois aumentava a distância entre os menores e os interessados em adotar.

Visando a combater essa deficiência, foi lançado, em 2008, o cadastro Nacional de Adoção, coordenado pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, ferramenta digital que auxilia os juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos procedimentos e processos e adoção. O Conselho Nacional de Justiça recomendou ainda, em decisão unânime, que todos os Tribunais de Justiça cumprissem o ECA, contratando psicólogos, assistentes sociais e pedagogos em quantidade suficiente para prestarem assessoria aos juízes nas causas relacionadas à família e a crianças e adolescentes. Para se ter uma ideia da eficácia dessa e de outras medidas, a fila de menores aguardando adoção caiu de 80 mil, em 2006, para 6,5 mil em 2016, o que ainda não deixa de ser alarmante.

Desde então, os números não param de crescer. Há mais de 32 mil crianças e adolescentes abrigados pelo Sistema Nacional de Adoção (SNA), sendo que destes, somente 4 mil conseguiram estar aptos a serem adotados.

Do outro lado da fila há cerca de 35 mil famílias cadastradas no SNA, o que mostra que para cada menor apto a ser adotado há 8 famílias qualificadas para adoção. Há relatos de que o seletivo perfil exigido pelos pretendentes seja o principal entrave para a adoção.

Se você gostaria de ajudar uma criança ou adolescente, mas ainda não está seguro quanto à adoção, pode se candidatar à guarda ou à tutela de menor.

Com a guarda, você cuidará de menor que, provisoriamente ou em definitivo não puder conviver com seus pais. A você será conferida a responsabilidade material, afetiva e educacional do menor. A guarda é normalmente conferida a abrigos, famílias guardiãs e pais adotivos durante o período de convivência e é renunciável pelo guardião.

Já mediante a tutela, você será instituído como representante legal de menor cujos pais faltem ou tenham sido destituídos do poder familiar, para gerir sua vida e administrar seus bens.

O guardião ou o tutor podem, mais tarde, peticionar a adoção do menor acolhido.

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Para saber mais:

CNA – Cadastro Nacional de Adoção

Jornal do Senado – Matérias Especiais – Adoção

Osmar Afrísio recebe o Título de Cidadão Paulistano

 

Ação Popular

Lutando pela cidadania

Leopoldo Luz

Qualquer cidadão pode impugnar ato lesivo ao patrimônio público, histórico ou cultural, à moralidade administrativa e ao meio ambiente.

César Augusto, então com 18 anos, cresceu no seio de uma família de juristas e desde cedo apreendeu que não há direito sem luta. De constituição frágil, César Augusto submeteu-se por anos a fio a diversos tratamentos clínicos e hospitalares, que, em regra, somente foram autorizados após burocráticos procedimentos administrativos e judiciais.

Se as circunstâncias da vida não foram de todo favoráveis a César Augusto, certamente moldaram-lhe espírito forte e combativo.

Apesar de sua tenra idade, César Augusto tinha por hábito acompanhar e comentar em família as notícias diárias veiculadas na mídia. Ao tomar conhecimento de que duas dezenas de deputados suplentes assumiriam os cargos dos titulares durante o recesso parlamentar – em que não há atividade legislativa – ao custo público de R$89.000,00 cada, não hesitou: com a ajuda de sua mãe, ajuizou Ação Popular impugnando a convocação dos suplentes.

A juíza da 5ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal concedeu-lhe de imediato a tutela liminar, suspendendo os pagamentos até o julgamento definitivo da lide.

A Ação Popular é o meio judicial garantido constitucionalmente para qualquer cidadão – a exemplo do que fez nosso César Augusto – propor anulação de ato lesivo ao meio ambiente, à moralidade administrativa ao patrimônio histórico e cultural ou ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participa.

Salvo caso de má-fé comprovada, o autor da Ação Popular está isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Os atos lesivos que podem ser impugnados são os eivados de: a) incompetência (o ato não é da atribuição legal do agente que a praticou); b) vício de forma (inobservância de formalidade indispensável); c) ilegalidade do objeto (o resultado do ato importa em violação da lei); d) inexistência de motivos (o ato se fundamenta em matéria fática inexistente ou em matéria jurídica inadequada ao resultado obtido); e) desvio de finalidade (o ato se destina a fim diverso daquele previsto na regra de competência do agente).

Tramitam no judiciário variadas Ações Populares visando anular, por exemplo, alienações de bens ou privatização de empresas públicas a preços vis, aumentos excessivos de rendimento de parlamentares, licitações superfaturadas, autorização de obras danosas ao meio ambiente, como a transposição de rios, demolições ou falta de conservação de prédios ou monumentos de importância histórica ou cultural.

Pela Lei n.º 4.717/65, escrita ao vigor da Constituição de 1946, são legitimados a propor Ação Popular os cidadãos brasileiros: maiores de 16 anos detentores de direitos políticos, ou seja, de Título de Eleitor.

Parcela vanguardista de doutrina entende que a Constituição de 1988, ao fixar a Ação Popular no artigo 5º, elevou-a a direito e garantia individual, dispensando então ao autor a titularidade de direitos políticos. Ora, o menor, o preso, o analfabeto, os conscritos e o idoso colaboram com a formação do patrimônio público e têm interesse no meio ambiente, portanto hão de poder exercer o dever cívico de vigilância sobre a atividade estatal.

A Ação Popular deverá ser proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades envolvidas, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

O Ministério Público, como fiscal da lei, colaborará na Ação Popular impulsionando a produção de provas e poderá, em certos casos, assumir a condição de titular da ação.

Mais que falarmos em cidadania, devemos exercê-la. Parabéns, César Augusto!

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Para saber mais:

A Luta pelo Direito, de Rudolf Von Ihering. Editora Forense

Constituição Federal, art. 5º, LXXIII

Lei n.º 4.717/65 – Regula a Ação Popular

Alienação Parental

Filho não é joguete

Leopoldo Luz

Filhos transformados em instrumento de agressão podem sofrer traumas permanentes, mas há lei que coíbe a prática.

Separação não é fácil para ninguém. A relação antes estável torna-se pulsante e insegura, provocando no casal sentimentos alternados de atração e aversão, cada vez mais frenéticos, até que o mais impetuoso do casal, como que absorvendo toda energia emocional para depois expulsá-la, decide: fim. O outro, rebaixado pelo ato, sucumbe à decisão, não raro assumindo postura vingativa.

Infelizmente, muitos casais e ex-casais em crise, imersos em suas mágoas e culpas, não se apercebem dos males que causam aos inocentes filhos – já fragilizados por tudo testemunharem – forçando-os a tomar partido nas suas contendas.

Se antes, manipular menores contra seu genitor não trazia consequências jurídicas, com a publicação da Lei federal nº 12.318 em 26/08/2010, de iniciativa do deputado Régis de Oliveira, o Estado passou a ter instrumentos para coibir essa prática.

A lei brasileira abraçou a expressão alienação parental cunhada por Richard Gardner, pioneiro no estudo dos distúrbios de personalidade da criança que a levam a maltratar, em bases contínuas, um dos pais.

Segundo essa lei, alienação parental é, resumidamente, a interferência na formação psicológica do menor causada por um dos genitores, avós, ou quem quer que lhe exerça influência, para que o menor repudie um dos genitores ou para causar prejuízo ao vínculo do menor com ele.

São formas de alienação parental, entre tantas outras: dificultar o contato do menor com o genitor, desqualificar maliciosamente a conduta do genitor ou desautorizá-lo perante o menor, omitir do genitor informações relevantes sobre o menor, apresentar falsa denúncia contra o genitor ou seus familiares.

A lei reconhece que a prática de atos de alienação parental fere direito fundamental do menor, prejudica suas relações de afeto com o genitor alienado e com sua família, constitui abuso moral contra o menor e configura descumprimento de dever inerente à autoridade parental.

Por força da citada lei, o juiz, de iniciativa própria, ou a requerimento de interessado, ao tomar conhecimento de atos de alienação parental, deverá, ouvido o Ministério Público, tomar providências para cessá-los, visando preservar a integridade psicológica do menor e assegurar sua convivência com o genitor afastado ou viabilizar a reaproximação entre ambos, valendo-se, se necessário, de perícia psicológica ou biopsicossocial.

Constatado em juízo o ato de alienação parental, o juiz poderá, segundo a gravidade do caso, entre outras medidas: advertir ou multar o alienador, ampliar o regime de convivência do menor com o genitor alienado, determinar o acompanhamento psicológico ou biopsicossocial da família, alterar o regime de guarda do menor, fixar cautelarmente domicílio do menor e declarar a suspensão da autoridade parental do alienador.

Durante a pesquisa para redigir esta matéria, emocionei-me muito com os depoimentos registrados pelo jovem diretor Alan Minas no curta-metragem A morte Inventada: alienação parental, cuja audiência recomendo ao leitor. Nele, filhos de casais separados, hoje adultos, relatam suas amarguras e sentimentos de perda e de culpa por, quando crianças, terem se deixado conduzir por um dos pais a destratar ou rejeitar o outro.

Esperemos, então, que essa lei e as ações públicas e privadas de conscientização tenham alcance para mitigar a incidência da alienação parental no país.

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Para saber mais:

Lei nº 12.318/2010 – Alienação Parental

A Morte Inventada: alienação parental – Documentário de Alan Minas

 

Nunciação de Obra Nova

Proteção jurídica para a vizinhança

Leopoldo Luz

A lei autoriza o particular a mandar parar obra em imóvel vizinho, para impedir que a construção prejudique seu prédio ou os fins a que é destinado.

Perto de onde moramos, foi demolida uma antiga casa térrea, para dar lugar a um edifício comercial de três andares. As obras de reconstrução iniciaram pelo rebaixamento do nível do terreno em cerca de 4 metros, o que, com as fortes chuvas de verão, provocou deslizamento do talude lateral, expondo parte da fundação da casa vizinha, em cujas paredes surgiram diversas trincas, indicativas de risco de desabamento.

Acionada emergencialmente pelos vizinhos prejudicados, a autoridade municipal, convencida do iminente perigo, interditou sua moradia e ordenou que a abandonassem imediatamente, mas, pelo que nos contaram esses vizinhos, por incrível que possa parecer, a autoridade não embargou a obra ofensora! Nesse momento, fomos chamados a opinar.

O proprietário ou o possuidor de imóvel tem direito de fazer cessar interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha (C. Civil, art. 1.277).

Não é permitida a execução de obra ou serviço que possa provocar desmoronamento ou deslocamento de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após haverem sido feitas obras acautelatórias, e não obstante a realização dessas obras acautelatórias, vizinhos prejudicados têm direito a ressarcimento dos prejuízos sofridos (C. Civil art. 1.311).

Se a obra ofensora estiver em andamento, o proprietário ou possuidor de imóvel prejudicado pode ajuizar ação para nunciação de obra nova, pelo procedimento ordinário, para impedir que edificação de obra nova em imóvel vizinho lhe prejudique o prédio, suas servidões ou os fins a que se destina.

A ação também pode ser proposta por condômino, para impedir que outro condômino execute obra com prejuízo ou alteração da propriedade comum ou, ainda, pelo Município, a fim de impedir que particular construa em contravenção de lei, regulamento ou postura municipal.

O juiz, assim que recebida a petição inicial, poderá conceder tutela provisória, por exemplo, a da paralisação da obra, até que seja julgada a ação.

O nunciante deve também requerer que o juiz mande reconstituir, modificar ou demolir o que estiver feito em seu prejuízo, a cominação de pena para o caso de não acatamento de tutela provisória e a condenação do réu em perdas e danos.

Quando se tratar de obra terminada, o vizinho prejudicado também tem direito de exigir do proprietário a demolição ou a reparação do prédio que o prejudicar ou ameaçar ruína, nos termos da lei. Mas, nesse caso, a ação apropriada é a demolitória, que deixaremos para outra matéria.

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Para saber mais:

Lei nº 13.105/2015 – Código de Processo Civil.

Lei nº 10.406/2002 – Código Civil

 

Tomada de Decisão Apoiada

Apoiar o deficiente é respeitar-se a si próprio.

Leopoldo Luz

A Lei federal nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) acrescentou o art. 1.783-A ao Código Civil,  para instituir a Tomada de Decisão Apoiada, processo judicial pelo qual a pessoa com deficiência elegerá pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para lhe prestar apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

O objetivo da lei é claro, suprir a deficiência da pessoa pelo apoio de outros de sua confiança.

A tomada de decisão apoiada é um instituto de inclusão social, que merece elogios, até  porque, no limite, evitará em alguns casos o processo de interdição e curatela, processos muito mais radicais, pois tiram da pessoa, parcial ou na totalidade, a capacidade para exercer pessoalmente os atos da vida civil.

O apoiador que agir com negligência, exercer pressão indevida ou não adimplir suas obrigações estará passível de denúncia ao Ministério Público ou ao Juiz.

A tomada de decisão apoiada também protege terceiros com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial, pois esses poderão solicitar que os apoiadores também assinem os contratos, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado, assim evitando futura alegação de erro ou coação por parte da pessoa apoiada a fim de anular o acordo.

Instituída a tomada de decisão apoiada, haverá prestação de contas periódica ao juiz, a exemplo de, no que couber, a curatela.

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Para saber mais:

Lei nº 10.406/2022 – Código Civil.

Lei 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Multipropriedade Imobiliária

Quem sabe dividir, enriquece.

Leopoldo Luz

Foi publicada, em 20/2018 a Lei nº 13.777 que dispõe sobre o regime de multipropriedade e seu registro no Registro de Imóveis.

Nos termos dessa lei, um mesmo imóvel poderá ser objeto de condomínio em que cada um dos proprietários é titular de uma fração do tempo, para usar,  gozar e fruir da totalidade do imóvel, com exclusividade, direitos esses a serem exercidos pelos proprietários do imóvel de forma alternada. As frações não poderão ser inferiores a 7 dias e poderão ser fixas ou flutuantes no ano.

Em outras palavras, por exemplo, quatro amigos adquirem um apartamento na praia e instituem a multipropriedade para que usufruam do imóvel, digamos, cada um em uma estação do ano, primavera, verão, outono e inverno.

No mais, a multipropriedade funciona de maneira semelhante à de um condomínio edilício clássico: convenção, regimento, assembleia, contribuição, administrador, regras de uso e de comportamento etc.

A fração condominial pode ser alienada sem anuência, cientificação ou preferência dos demais multiproprietários.

Nitidamente a intenção da lei é de buscar melhor aproveitamento de imóveis usados em temporada e lhes dar maior liquidez e atratividade no mercado e isso pode realmente ocorrer. É de se esperar que logo vejamos incorporadoras comercializando frações em multipropriedade em apartamentos nas cidades litorâneas e do interior.

No entanto, como condominium mater rixarum (condomínio é a mãe das discórdias), o tempo nos dirá como serão conduzidas as complexas relações interpessoais que surgirão em imóveis sujeitos ao regime da multipropriedade, especialmente entre desconhecidos e em apartamentos em edifícios também sujeitos ao regime de condomínio edilício.

Sejamos otimistas.

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Para saber mais:

Lei nº 10.406/2002 – Código Civil.

Lei nº 13.777 – Dispõe sobre o regime da multipropriedade.

Benefício de Prestação Continuada

Eles precisam desse benefício

Leopoldo Luz

Muitos vivem em penúria e não sabem que têm direito a receber prestação mensal de um salário mínimo.

Lembra daquele velhinho: ao relento, envolto em um surrado cobertor, sobrevivendo da compaixão de alguns caridosos? Ou, então, lembra do ceguinho da feira, que, ao tilintar dum cobre lançado à sua latinha, recita bênçãos ao ar?

Muitos desses personagens que vivem em penúria, tão comuns nas grandes cidades, ainda que não saibam, têm direito constitucionalizado, de perceber do Sistema Único de Assistência Social o Benefício de Prestação Continuada – BPC, consistente na prestação mensal de um salário mínimo. O BPC, instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, poderá resgatar-lhes a independência necessária a uma vida mais digna.

Segundo o Ministério da Previdências Social, o benefício já atinge cerca de dois milhões e meio de pessoas carentes em todo o Brasil.

É aí que você, eu, e cada leitor pode colaborar: orientando o necessitado sobre o BPC e o ajudando a se cadastrar no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal em um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) ou na Secretaria de Assistência Social do município e a requerer o benefício nos canais de atendimento do INSS, pelo telefone 135 ou pelo site ou aplicativo “Meu INSS” ou ainda comparecendo a uma agência da Previdência Social.

O BPC é devido ao idoso, com 65 anos ou mais e ao portador de deficiência que o incapacite para a vida independente, não importando a sua idade, e que, em ambos os casos, comprove carência econômica para prover a própria subsistência, pessoalmente ou por sua família. Não impede a concessão do benefício o idoso ou portador de deficiência viver ao abrigo de instituição assistencial, pública ou privada.

Nos termos da LOAS, o critério de carência econômica corresponde a renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo per capita, considerada como família o cônjuge, companheiro(a), pais, irmãos, filhos não emancipados e equiparados a filhos – caso do enteado e do menor tutelado, que habitam sob o mesmo teto. No entanto, o benefício poderá ser concedido mesmo se a renda familiar per capita superar o teto, desde que presentes elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade, considerados o grau de deficiência, a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária e o comprometimento do orçamento do núcleo familiar.

O Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 587.970-SP já se posicionou no sentido de que que o benefício alcança brasileiros natos ou naturalizados e também estrangeiros residentes no País.

Para requerer o BPC não é necessário despachante, advogado ou intermediário. Os atendentes das agências da Previdência Social (APS) são treinados para dar completa orientação ao interessado ou a seu representante, quando o interessado tiver seu discernimento prejudicado.

Será necessário preencher apenas formulários e apresentar os documentos pessoais do candidato ao benefício. O portador de deficiência será encaminhado a um exame médico-pericial que avaliará seu nível de incapacidade.

A aprovação do requerimento será comunicada ao beneficiário por carta, que indicará o local em que o dinheiro poderá ser sacado mensalmente com uso de um cartão magnético que será fornecido pelo Banco. Em até quarenta e cinco dias após a aprovação do requerimento a primeira prestação mensal estará disponível. O recadastramento é bienal, pelos canais de atendimento do INSS.

Os beneficiários do BCP são cadastrados no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e devem se recadastrar a cada dois anos. Para isso, deverão procurar um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) ou a Secretaria de Assistência Social do município, tendo em mãos um documento oficial com foto e o cartão do benefício. Entre as vantagens de fazer parte do Cadastro Único, estão a possibilidade de participar de vários programas sociais do Governo Federal e a permissão de acesso a outras políticas públicas de assistência social.

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Para saber mais:

Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome Desenvolvimento Social

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

Lei nº 8742/93 – Lei da Organização da Assistência Social – LOAS

Lei n.º 10.741/03 – Estatuto do Idoso

Regime de Bens no Casamento: o meu, o seu o nosso

Os nubentes devem fazer uma escolha consciente do regime de bens que adotarão.

Leopoldo Luz

Enfim, aproxima-se maio, mês das noivas. Após tantas incertezas e preparações, é hora do definitivo sim. Pura alegria.

No mês de maio, a cidade se encanta com elegantes reencontros às portas de seus templos, com veículos enfeitados circulando em suas vias e com esmeradas poses em suas praças públicas, para fotografias que por longo tempo enfeitarão aposentos de casais.

Celebradas as bodas, curtida a lua-de-mel, os enamorados retomam seus afazeres, agora como marido e mulher, unidos pelo casamento.

O casamento, além de ser uma instituição sociocultural, é uma relação jurídica entre os cônjuges regida pela lei e constituída por ato solene. Ponto importantíssimo no termo de casamento é a eleição do regime de bensconjunto de preceitos que regulam as relações patrimoniais entre os cônjuges enquanto subsistir a sociedade conjugal.

No tempo de nossos pais, o casamento civil era indissolúvel e regido pela comunhão universal de bens, se outro regime não fosse pactuado pelos nubentes. A mulher e filhos subordinavam-se ao chefe da família e todos os bens eram comuns e administrados por ele.

Em 1977, a Lei n.º 6.515, que introduziu o divórcio no direito brasileiro, fixou o regime da comunhão parcial de bens, na falta de pacto antenupcial válido.

O pacto antenupcial é o instrumento pelo qual os nubentes escolhem o regime de bens do casamento, outro que não o da comunhão parcial.

No passado, o regime de bens era imutável. Porém, o Código Civil de 2002 facultou ao juiz autorizar, na constância do casamento, a mudança de regime de bens solicitada pelo casal, desde que ressalvados direitos de terceiros.

Vejamos os quatro possíveis regimes de bens. A lei admite também regimes mistos.

Separação de Bens. Os bens que cada cônjuge possui ao casar e que adquirir na constância do casamento são seus, podendo administrá-los e aliená-los livremente. Mas, cada cônjuge deve contribuir para as despesas do casal, na proporção dos seus rendimentos e de seus bens, salvo estipulação diversa no pacto antenupcial.

Se os dois cônjuges trabalham e têm proventos próprios, a separação de bens costuma ser o regime mais prático para o casal e é o que melhor protege o patrimônio de cada cônjuge contra terceiros, em face de eventual falência ou insolvência do outro. Além disso, nada impede nesse regime, que os cônjuges compartilhem os bens que desejarem.

O regime da separação de bens é obrigatório nos casamentos contraídos por maiores de setenta anos, pelos que dependem de suprimento judicial para casar e pelas pessoas que casam sem observarem as causas suspensivas do casamento, do art. 1.523 do Código Civil. O STF, por construção jurisprudencial, equiparou a separação obrigatória em comunhão parcial. É o que se depreende da súmula n.º 377: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Adicionalmente, em 31 de janeiro de 2024, o STF decidiu, no ARE 1.309.642, que pessoas com mais de 70 podem se casar sem separação de bens caso haja expressa manifestação da vontade delas, por meio de escritura pública.

Comunhão Universal de Bens. Os bens presentes e futuros e as dívidas dos cônjuges passam a ser de ambos, sendo excluídos da comunhão bens herdados ou recebidos em doação com cláusula de incomunicabilidade, bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão, proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge e pensões, montepios e outras rendas semelhantes, assim como dívidas anteriores ao casamento, salvo se reverterem em proveito comum.

A comunhão universal costuma ser o regime mais adequado quando um dos cônjuges trabalha fora e o outro cuida da casa e da família, pois pertencerão ao casal os bens que cada cônjuge trouxer para o casamento e os que forem obtidos na sua constância.

Comunhão Parcial. Os bens que cada cônjuge possui ao casar permanecem seus. Os bens conseguidos pelo casal na constância do casamento são do casal, à exceção de bens adquiridos por doação ou sucessão, adquiridos com valores pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação de bens particulares, bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão, proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge e pensões, montepios e outras rendas semelhantes. Não se comunicam entre os cônjuges as obrigações anteriores ao casamento e as provenientes de ato ilícito, salvo se reverterem em proveito do casal.

A comunhão parcial é um regime intermediário entre a separação de bens e a comunhão universal, que privilegia o patrimônio comum, mas que permite a cada cônjuge reservar certo patrimônio particular, especialmente, o que possuía antes do casamento e o que obtém por doação, herança e pelo trabalho pessoal.

Participação Final nos Aquestos. Nesse regime, cada cônjuge possui patrimônio próprio e lhe cabe, quando da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal a título oneroso. Em outras palavras, enquanto durar o casamento, esse regime se equipara ao da separação e, no momento da dissolução do casamento, os bens são partilhados da mesma forma que no regime da comunhão parcial.

Esse regime, introduzido pelo Código Civil de 2002, em substituição ao antigo regime dotal, não foi bem recebido pela sociedade, por não encontrar nenhuma raiz na cultura brasileira e por potenciar litígios, vez que, no momento da separação, transforma os cônjuges em sócios de ganhos reais ou contábeis, difíceis de serem apurados.

Para saber mais:

Lei n.º 10406/2002 – Código Civil, artigos 1.639 a 1.688.

Lei n.º 6.515/1997 – Lei do Divórcio.